terça-feira, 28 de janeiro de 2014

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

direito a morrer

porque morrer também é um direito

(porque a vida nem sempre é cor de rosa...)
Sou enfermeira, não é segredo para ninguém. 
Há quem pense que esta é uma profissão como outra qualquer, mas esses não sabem do que falam. Ser enfermeiro, além das técnicas que envolve, do saber-saber, do saber-fazer e do saber-estar, implica tocar. Eu toco nas pessoas, substituo-as nas suas actividades mais pequenas, e por isso também as maiores, o comer, o tomar banho, ir ao WC, o levantar, etc..  Toco nas pessoas e olho para elas, faz parte, e mesmo que não fizesse, não seria possível evitar. Olho-as e além do meu trabalho, esforço-me mesmo por não me afeiçoar a elas, mas é muito difícil. É difícil porque, quando temos sorte, elas estão capazes de nos olhar de volta. Muda tudo, pese embora fosse mais simples se não mudasse, mas muda. 
Por trabalhar em traumatologia craneoenfálica já vi coisas inesperadamente boas, e coisas grotescas, como aquele doente que tivemos durante meses em coma, cujo nome foi, do principio ao fim... masculino não identificado, um filho de alguém, a quem não nos foi possível avisar e dar tempo para as despedidas...
Contabilizando o estágio já sou enfermeira há mais de 10 anos, mas ontem quando cheguei a casa só queria mesmo chorar, mas não consegui.
Um dos meus doentes daquela tarde estava à espera de morrer, há 3 dias... Não, ele não estava em sofrimento, mas estava a deixar de respirar gradualmente, embora muito devagar. O que ia eu dizer à família?Que ainda não morreu, ou que ainda está vivo? Como é que olho para o meu doente, connosco há semanas, e o encaro, neste prolongamento desumano e indigno, que a medicina faz à vida das pessoas? Ouví-o respirar tranquilamente, ouví-o parar de respirar prolongadamente por quase 2 minutos, e ouví-o voltar a respirar sofregamente, como se acordasse de um susto. É impossível saber se fico ou se saio, ou se o deixo ali a morrer, sozinho... O que pedir à família? Para ficar e assistir? Talvez haja quem tenha coragem de lhes exigir isso, ou a coragem de ficar. Mas eu, eu que toco nos meus doentes, e os olho nos olhos, acho que morrer é um direito. E quem disser que não, espero que um dia não seja condenado a morrer assim.

1 comentário:

  1. Sem dúvida que devíamos pelo menos puder decidir morrer de uma forma mais digna! Para quê prolongar mais o sofrimento?!

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