quinta-feira, 15 de outubro de 2015

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

do lixo com amor



Chamavas-te Tuca. Com o tempo foste ficando Tuquinha, Tuquita, Kika, Kikinha, Kikita. Tantos nomes que nunca geraram confusão para nós, só transpareceram amor, sempre. 
Há 11 anos atrás estavas no lixo aqui ao lado de casa, e eras um saco preto de carraças. Já resgatamos muitos cães, mas nunca um cão tão pequeno com quase mais carraças do que pêlo. Recordo, nesta minha memória cuja lógica ainda não entendo, de a veterinária ter dito que podia ter morrido com o banho da loção mata carraças. Banho não, banhos, foram quatro, também me lembro disso. De como ficavas a chorar e a tremer quando o produto actuava, e de como não paravam de cair carraças mortas na banheira, banho após banho. Lembro-me de como eras pequenina, faminta, meiga e super assustada. Cresceste, mas nunca deixaste de ser assustada, nem faminta, nem meiga, nunca. Kikita a rapa tachos, Kikita a papa arroz, Kikita a obediente, Kikita das corridas. 
Sei que nunca mais ninguém vai chorar de alegria por nos ver como tu fazias sempre, genuinamente, nem ninguém vai adorar torrões de arroz como tu. Quem é que vai ousar pousar o focinho no colo do meu pai, à espera de um mimo de trincar? Tu, eras aquela a quem ninguém queria dar banho, porque ficavas tão sentida, que às vezes chegavam a passar-se dias sem que nos deixasses de novo tocar em ti. Quem é que com aquele ar de sonsa fugia de casa, para regressar horas depois, com penas das galinhas do vizinho na boca? Quantas vezes te ralhamos e te prendemos de castigo, mas acabavas sempre por ser reincidente. 
Faz uma semana que, ainda não sei como, ficámos sem ti.  Hoje no treino corri, não sei se de ti, se para ti, se contigo. Mas às tantas, só me conseguia lembrar de que nunca mais iria poder chamar-te para uma corrida comigo, ou um simples passeio pela quinta. Gostava sempre de pensar que nisso éramos parecidas, éramos felizes a correr. Gostava disso, de sermos parecidas, porque para mim, e para nós, sempre foste família. 
Para nós, as casas só são lares com famílias lá dentro, e as famílias são aquelas feitas de pessoas e animais. Trazer-te do lixo foi das melhores decisões que podíamos ter tomado nos últimos anos, porque foste a cadela mais companheira de sempre e a mais atenta a nós. Foi tudo tão depressa para toda a falta que nos vais fazer. Foi tão difícil superar a ausência da Pepa no ano passado, que não sei como é que, em tão pouco tempo, de cinco cães felizes, traquinas e mimados, só temos três. 
Chegaram a ser quase 30kg de Kika, com andar à pato, mas nem por isso menos disposta e capaz de correr, numa fuga para as galinhas, ou ao nosso encontro. No vazio que sobra da tua ausência, quero lembrar sempre a alegria de nos teres ao teu lado, porque tu é que vieste do lixo, mas a sorte e o lucro foi todo nosso. 


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