sexta-feira, 12 de agosto de 2016

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Fogo que arde sem se ver

[As saudades que tinha dos dias em que me podia perder nos livros, e fazer deles a actividade mais importante do meu dia. Entrar noutros mundos e realidades, um pé cá outro lá, para que no fim, tudo faça tão mais sentido cá dentro. Não há amor como o primeiro, e o meu, já aqui o confessei, foram as palavras. A rúbrica: na mesinha de cabeceira mora está de volta. Com alguns livros, que há muito esperam que fale sobre eles. A não perder, cada tem o seu lugar e o seu tempo.]

Vozes de Chernobyl 


Como não poderia deixar de ser este livro fala, ou melhor dizendo, deixa falar, sobre Chernobyl, o primeiro grande acidente núclear.
Uma história contada na voz das testemunhas, militares, bombeiros e liquidadores, que enfrentaram o desconhecido no imediato sem saberem ao que iam, e depois, durante os meses seguintes. Fala das aldeais cobardemente evacuadas, em que cães e gatos se sentavam à porta das suas casas, à espera dos donos, que nunca puderam regressar. Mas também ouvimos simples pessoas do campo, que viram as suas vidas afectadas, viradas do avesso para sempre, sem conseguirem prever nem aceitar. 
Temos histórias de tudo, do comunismo do Gorbachev que tentou negar o acidente, de como na central núclear trabalhavam políticos do partido e não físicos e engenheiros, os erros gravíssimos de construção, a negação perpetuada no tempo, até ao limite, que não demorou muito dias, mas que perdura até hoje. O preço a pagar pela desinformação é alto demais, e ninguém se atreve a dizer quando termina. Descrições de mortes vorazes e dantescas, e desumanas e longas, ao sabor da vontade da radiação. 
Relatos de um fogo que arde sem se ver, até hoje, e que irá muito para além do amanhã. Um futuro herdado do passado, cheio de medalhas, mas hipotecado. 
Embora este seja um livro seccionado pelos consecutivos relatos, há nele um fio condutor que nos prende, e que fica entre o talento de quem soube ouvir, e a verdade do povo Bielorrusso que teve a generosidade de partilhar. 
Foi em 1986, também vão querer ficar indiferentes?

Sem comentários:

Enviar um comentário