segunda-feira, 29 de junho de 2015

travessuras de uma menina má


Não fosse o autor o Mário Vargas Lhosa e eu teria achado que, com este titulo, o livro se tinha perdido da secção de criança, mas não.
Um livro que fala do Perú, muito para além do Machu Picchu, que fala de um Perú de antes, de um Perú recheado de preconceitos e desigualdades sociais, de democracias distantes do direito, e do poder que não quer nada com o direito. Fala sempre no passado, mas ainda assim me baralha, obrigando-me a reler e constatar que afinal não é no presente, mas parece, quase podia ser. 
Mas estas memórias não são mais do que uma história que o narrador, o menino bom, nos tenta fazer crer que é de amor. A mim, deixou-me dúvidas. Não sei se é de amor a história que ele conta. É certo que tem abnegação, desprendimento de mão dada à paixão, e tem atracção sem explicação; mas não sei que amor é aquele em que há sempre dor e sofrimento, em que a luta é sempre de um e o poder de outro, que não do amor, mas sim de quem tem uma palavra a dizer, ou atitude a desempenhar, e sempre dela.
Até ao fim, para lá daquilo que nos transparece ser o limite dele, que é bem para lá do seu amor próprio, da sua dignidade, do seu direito a ser correspondido e admirado, idolatrado também, tudo nesta história, do fim ao seu principio, é conduzido e determinado por ela. De tal forma que reflicto, e não sei categorizar, se é ou não sobre amor, se houve ou não amor até, de ambas as partes, se chegaram estar, em simultâneo, apaixonados um pelo outro, não sei até, se ela chegou a estar apaixonada por ele, porque me questiono se quando parecia estar não era gratidão, e no final, quando dizia estar, se não era posse ou (in)segurança. Mas depois volto a questionar quem serei eu para dizer se é ou não amor, ou se houve amor. 
De uma coisa tenho a certeza, não há amor enquanto só há sofrimento e sofreguidão, enquanto qualquer detalhe espalha a dúvida e o pânico, como se fosse uma praga. 
Talvez seja mesmo uma história de amor, afinal das contas passa-se maioritariamente em Paris, e quão estranho seria um amor não conseguir existir na cidade do amor. Ou então não, seria a ironia perfeita, o anti-cliché, a história de como se vive toda uma vida preso a um desejo, a uma ilusão. Eu acho que o menino bom mente quando diz que tudo o que ambicionava da vida era viver em Paris, terá sido sim, quando ele decidiu abandonar o Perú, mas não mais, quando a conheceu, porque a partir de então, tudo o que ele queria era a ela.
E ela, a menina má? Ela nunca me pareceu má, até porque ela sempre foi muito honesta da sua desumanidade, vejo-a antes como um abismo majestoso, que seduz e amedronta, onde uns caem porque querem, como ele, e outros admiram por algum tempo e se deliciam com aquele limbo.
Decido, no final. manter as minhas dúvidas, prolongar o meu questionamento, porque, quantos serão os livros com título de livro infantil que nos fazem reflectir sobre aquilo que para nós, grandes e pequenos, temos de mais importante na vida, o amor? E deparando-nos nós com alguns exemplares, quantos existirão que nos devolvem incertezas nas respostas absolutas que procuramos? Pois é, só me sobraram reticências, também.
Ao misticismo do Perú, e da América do Sul, em geral, associado ao profundo génio do MVL, o meu obrigada. São livros assim que me fazem sempre voltar ao meu primeiro grande amor, as palavras. 

quinta-feira, 18 de junho de 2015

cinco dias, quatro ilhas

A logística da viagem aos Açores é por si só uma ginástica, sobretudo para quem mora no Porto, porque os voos directos são poucos. Ainda que este ano já seja bem mais barato, com a introdução no mercado dos tão ansiados voos lowcost, aconselho a reserva antecipada de bilhetes. Voei na mesma pela SATA, e devo dizer que gosto bastante, mas desta vez a minha reserva foi feita com mais de seis meses de antecedência, e o preço ficou em menos de metade do que havia pago no ano anterior.
Por questões familiares o percurso foi Porto-Terceira, Terceira-São Jorge, Faial-São Miguel, São Miguel-Porto. 
Dia 1
Já tinha dito aqui, mas repito, a Terceira é a ilha em que melhor se come, por isso, como ia estar muito pouco tempo na ilha, apenas pude matar saudades de sabores.

O lanche foi na Quinta dos Açores, aqui os produtos utilizados são da melhor qualidade e só isso justifica que seja tudo tão bom. Nas várias visitas que tive a sorte de fazer já provei imensa coisa e ainda não sei escolher o que gosto mais. Cá no continente podemos encontrar os iogurtes que elevam o conceito a outro nível.

O jantar, já mais tarde, a meu pedido foi no Beira-mar, porque estas lapas
me deixaram viciada, adooro-as!
Dia 2
Em São Jorge a minha pequena M. arrecadou toda a minha atenção, e embora tenha planeado subir ao Pico da Esperança a forte presença de nevoeiro não o permitiu.
Mas ela achou que já estava tempo de dar um mergulho, e aqui está ela, pronta e a todo o vapor
 para saltar para a água (sai à mãe)

Dia 3
Embarcamos de barco rumo ao Faial. No triângulo (assim se chama ao conjunto São Jorge, Pico e Faial) o barco é a melhor opção, mais barata e a mais fácil. Quatro ou cinco vezes mais barato que um bilhete de avião, além de ser um passeio delicioso, se estiver bom tempo.
Para ela a viagem só deu Porquinha Pepa,
um bocadinho de colo da madrinha e 5min a ir à janela a ver o mar.
Em duas horas estamos no Faial e, depois do check in no Hotel, e de tratadas todas as questões relativas à prova, foi só desfrutar da cidade da Horta.
A Horta é uma cidade que se destaca das outras cidades açorianas porque, embora bem menor que Ponta Delgada por exemplo, é igualmente cosmopolita e, a meu ver, muito mais charmosa. No dia antes da prova, fervilhava, pessoas e boa onda. Não se pode falar da Horta sem falar da sua marina ou do bar do Peters, é certo, mas existem outras personagens famosas, como por exemplo o Norberto. O Norberto tem uma empresa de mergulho e observação de baleias e golfinhos, e que me havia sido recomendada pelo pai da M. Há muito que esperava pela oportunidade de fazer este passeio de barco para observação das baleias e golfinhos. 
Embalada pela constatação de que a M., efectivamente, já está um bocadinho crescida, pela primeira vez que levei-a comigo. Quem me conhece sabe que não sou nada fã de férias e grandes aventuras com crianças como companhia, há quem considere preguiça ou comodismo, mas eu simplesmente acho que é segurança e conforto.
Ter uma criança de 3 anos por companhia foi decisivo na escolha da empresa em que íamos fazer o passeio, mas foi instintivo, escolhi quem me inspirou mais confiança, e só depois reparei que era o Norberto.
Como foi? Bem a M. dormiu no meu colo, comigo em pé, durante os 30min de toda a exposição teórica que fazem sobre tipos de baleias e golfinhos que podemos esperar ver, antes de o passeio começar. No barco parecia um anjinho, a viagem tem a duração de 4h, e no regresso dormiu o tempo todo embalada pelo mar. De salientar o cuidado e atenção que os guias tiveram connosco, sobretudo com ela. É tão fácil, e bom, ver quando as pessoas são apaixonadas pelo seu trabalho, e aquela equipa era. Obrigada. 
No final perguntei à M. o que ela tinha achado do passeio, ela diz assim" as baleias são tímidas, e os golfinhos uns saltitões como o Noné". 
O membro da equipa do Norberto, que estava mesmo
a chegar de um mergulho, que a M. mais adorou, claro. 

Fornecem impermeáveis e coletes e ela adorou o dela aos ursinhos.

Foi o tempo todo sentada sozinha e acho que
 ainda não me refiz do choque de ela estar mesmo crescida...

Este momento foi delicioso, encontramos uma tartaruga na água,
 que o Norberto apanhou e trouxe ao nosso barco para que a M. tivesse oportunidade de ver.
Não sei se ela gostou muito, a contar pela cara que fez, mas todos nós, os crescidos, adorámos!

O Norberto a conhecer a Pepa da M., inseparáveis sempre, até em alto mar.

É ou não é o máximo esta foto?

O guia do nosso barco, tenho imensa pena não me recordar de nome dele,
porque quero mesmo agradecer-lhe todas as explicações que nos deu durante todo o tempo,
a persistência e  paciência na procura das baleias, e a atenção que teve sempre com a M.
Dia 4
Acho que já disse tudo, não já? Deixo só mais umas fotos, porque não resisto.
O farol dos Capelinhos
A meta mais bonita de sempre

O horizonte que nos motivou até ao fim
Dia 5
De regresso a casa, tudo o que os meus pés toleravam era isto.

Ahh que dores nos pezinhos!
Paramos em Ponta Delgada, e como ainda tínhamos 4h pela frente, apanhamos um táxi para o centro e fomos matar saudades da cidade, almoçar e passear na marina. O tempo foi pouquinho, mas soube bem aproveitar até à ultima tudo o que há de bom nos Açores. 
Já conto com cinco viagens aos Açores e fico sempre com vontade de regressar. Quantos destinos nos fazem sentir isto? 

sexta-feira, 5 de junho de 2015

dois pés no vulção

Dia 30 de Maio foi um dia super especial, planeado desde há mais de um ano, assim que ouvi falar da 1ª edição do Azores Trail Run e não consegui inscrever-me a tempo. Ficou cá dentro o bichinho, e depois de ler e ver as reportagens sobre a prova sabia que teria de participar. Ficou tudo muito decidido cá dentro, o apelo era grande demais. Assim foi. Inscrevi-me logo na primeira hora em que abriram as inscrições, e marquei a viagem. Uma animação enorme e um friozinho na barriga porque, afinal de contas eu adoro correr, mas não corro assim tanto. Foram 21km e uns metros totalmente mágicos. 
Cheguei à Horta no dia anterior e por todo o lado a cidade mostrava sinais de um movimento associado à prova, com cartazes e turistas com ar de atletas espalhados por todo o lado. A primeira coisa a fazer foi levantar os dorsais, e já aqui tenho que parar e fazer um aparte. O dorsal desta prova ganha a qualquer outro, fazendo-se acompanhar de um queijo, um pote de mel e um lata de atum Santa Catarina, que eu adoro. Só por aqui já se podia adivinhar que nenhuma prova poderia bater esta. Durante a espera o ambiente é o habitual nas provas, descontracção e entusiasmo, e conheci logo ali uma família de inscritos que acabou por partilhar a prova comigo. 
Como a prova tinha o percurso dos 48km, as camionetas da organização, que gratuitamente levavam as pessoas da cidade para a partida, eram muito cedo, às 7h. Para quem, como eu, ia ali correr o que, comparativamente, parecia uma prova de meninos, os 21km, a partida só estava marcada para as 11h30, e portanto entre acordar às 6h  e ir de bus, e acordar às 9h e ir de taxi, foi fácil, escolhi o táxi. 
Os taxistas no Faial são muitas vezes guias turísticos, e o nosso, o Sr Fernando, não era excepção, parecia tão entusiasmado com a prova quanto nós, e foi todo o caminho a tecer comentários e informações sobre os sítios por onde passávamos, e por onde a prova ia decorrer. Sem dúvida nenhuma que o sucesso desta prova passa muito pelo acolhimento que os Faialenses fazem, e sabem fazer aos participantes. 
Chegamos super cedo à partida, fomos os primeiros a chegar à caldeira, e para espanto nosso e até da organização, passa o primeiro atleta dos 48km, o espanhol Tòfol Castanyer que em 1h20 percorreu 20km, 30min mais cedo do que o vencedor da edição passada. Sem palavras para ele, só palmas.
Na meta encontramos os nossos companheiros que conheceramos no dia anterior, e desde as 11h30 e o primeiro metro fomos a companhia uns dos outros e lebres uns para os outros. É maravilhoso isto que a corrida nos proporciona, a camaradagem com pessoas totalmente desconhecidas, mas com quem sentimos de imediato uma empatia, porque o que nos une são umas sapatilhas nos pés, e um gosto comum, correr. 
A prova começa logo a subir, e eu penso, bem mas isto começa já aqui a separar o trigo do joio? Não tinham dito ontem que isto era sempre a descer? A subir chegamos à caldeira, e aqui eu nem sabia se havia de tentar correr, embora em muitos sítios só coubesse um pezinho meu de cada vez, ou se devia ficar a pasmar com aquela paisagem arrasadora. Bom, fui tentando correr e km após km o percurso conseguia sempre fazer-nos render à sua beleza e motivar. Os 21km tinham como nome " os 10 vulcões" e a determinada altura durante a prova caiu-me a ficha e percebi o porque de tantas subidas. 
Gostava de vos saber dizer em concreto por que sítios passei a correr mas não sei, visitem a página do Azores Trail Run, espreitem o álbum de fotos, ou a reportagem em video, vai valer a pena. 
No primeiro abastecimento, aos 13km, estava já mortinha de sede, porque a minha água já tinha acabado há já 2km e mal cheguei nem queria acreditar, e não sabia se haveria de pasmar ou rir: que banquete. Bebi água, enchi cantil, não corri riscos e comi apenas o que como sempre, as laranjas e as bananas e aproveitei o ambiente. Depois de ter recuperado o fôlego e os companheiros de corrida segui, e estes últimos 10km foram uma superação, imensas subidas, muito íngremes, e como tudo o que sobre desce, descidas, que no Faial, são em degraus de meio metro. Quando o desespero parecia que vinha para ficar o Pico ali ao lado, e o mar lá ao fundo, a vislumbrar os Capelinhos, faziam tudo valer a pena. 
No final, já sem joelhos de tantos degraus e os pés a doer, deparo-me com o último km em areia e os Capelinhos imponente à nossa espera. Pensei que não ia conseguir correr, mas assim que vi aquele balãozinho azul da chegada no horizonte, a alegria de estar ali era de tal que superou tudo. Corri até à meta sempre com os olhos fixos nos Capelinhos, e a lembrar-me que na minha primeira visita ao Faial há 17 anos atrás o Farol estava quase todo coberto pelas areias do vulcão, e agora estava ali, inteiro para nos receber. 
A alegria da chegada, a imponência da beleza natural e o balão da chegada fazem desta meta a mais bonita e sem dúvida a que eu mais gostei de conquistar para mim. No fim de tudo, ainda se podia ter massagens, mas melhor que isso, dar um mergulho nas piscinas naturais dos Capelinhos. 
Após cruzar a meta, rodeada por aquela música e ambiente de festa instalados, quando me perguntam o que achava da prova, só podia mesmo dizer que tinha tanto de dura como de bonita, e valia mesmo a pena vir de tão longe para ter esta experiência. 

aqui está a prova da alegria de 3h50 a correr
adoro esta foto, não imagino onde possa ter sido tirada, mas aproveito-a para agradecer a todos os fotógrafos, profissionais e amadores, que se voluntariaram para participar, proporcionando-nos desta forma memórias felizes, e tão importantes, para quem corre: obrigada!
a melhor recompensa na chegada, a M., adormeceu, porque os seus 3 anos falaram mais alto, mas ainda assim foi a melhor motivação que já tive, e um dos motivos que fizeram desta prova tão especial. 
os companheiros inesperados, e a medalha, que já agora é a mais original de todas
cada um escolhe o seu caminho, mas cada vez mais sei que correr é uma escolha feliz para mim.
 Obrigada a todos aquel@s que fizeram esta prova possível para mim, e permitiram que o cliché se mantivesse assim, cor de rosa.